“(…) Deste modo, devemos analisar detidamente, escolher o que é realmente bom e praticar; ver o que é realmente mau e descartar. Uma vez que uma sanga é nascida do reino da pureza [aquele onde se está livre da contaminação dos desejos ilusórios].as coisas que não despertam desejos humanos são consideradas boas e puras”.
LIVRO 4
4-11
Dogen instruiu:
É difícil dizer o que é bom ou mau. Pessoas mundanas dizem que é bom usar brocados de seda e bordados e ruim usar mantos feitos de roupas rústicas e trapos abandonados. No buda-darma, este último é bom e puro enquanto ornamentos luxuosos bordados com ouro e prata são considerados maus e contaminados. Do mesmo modo, todo o resto é o oposto.
No meu caso também, uma vez que às vezes escrevo poesia ou prosa, algumas pessoas do mundo me elogiam, dizendo que isso é extraordinário. E, ainda assim, há alguns que me criticam por saber tais coisas uma vez que sou um monge que abandonou o lar e está estudando o Caminho. Em última análise, qual deles devemos considerar bom e qual deles abandonar por ser ruim?
Há uma escritura que diz: “Ser louvado e pertencer às coisas puras é chamado de bom; ser desprezado e pertencer às coisas impuras é chamado de mau.” Está também escrito: “Coisas que trazem sofrimento são chamadas de más; coisas que convidam à alegria são chamadas de boas.”
Deste modo, devemos analisar detidamente, escolher o que é realmente bom e praticar; ver o que é realmente mau e descartar. Uma vez que uma sanga é nascida do (reino da) pureza[1], as coisas que não despertam desejos humanos são consideradas boas e puras.
[1] O reino onde se está livre da contaminação dos desejos ilusórios.
“(…) Monges Zen também deveriam ser assim. Uma vez que pode haver algo de errado naquilo que você pensa e fala [sem ter consciência disso], reflita primeiramente se seu pensamento e sua ação estão de acordo com o Caminho de Buda ou não, e pondere se são benéficos para você mesmo e para os outros. Se for bom, faça ou diga. Praticante, se você se apoiar nesta atitude, você nunca irá contra a vontade de Buda ao longo de toda sua vida.”.
LIVRO 4
4-10
Certo dia, Dogen instruiu:
Há um velho ditado, “Reflita três vezes antes de falar”. Isso significa que antes de falar ou de fazer algo, você deveria refletir sobre o assunto três vezes. Este antigo Confucionista queria dizer que, se a ideia parecer boa em cada uma das três reflexões, aí sim você deveria falar ou agir. Quando sábios na China dizem para refletir sobre as coisas três vezes, eles querem dizer que se deve refletir muitas vezes. Ponderar antes de falar, cogitar antes de agir; se a cada vez que você pensar na questão ela se mantiver boa, você deveria então falar ou agir.
Monges Zen também deveriam ser assim. Uma vez que pode haver algo de errado naquilo que você pensa e fala [sem ter consciência disso], reflita primeiramente se seu pensamento e sua ação estão de acordo com o Caminho de Buda ou não, e pondere se são benéficos para você mesmo e para os outros. Se for bom, faça ou diga. Praticante, se você se apoiar nesta atitude, você nunca irá contra a vontade de Buda ao longo de toda sua vida.
Quando entrei em Kenninji pela primeira vez, todos os monges na sanga protegiam seu corpo, boca e mente de más sementes, de acordo com sua capacidade e firmemente decidiam não falar e nem fazer nada que fosse mau para o Caminho de Buda ou prejudicial para os outros. [Depois que o Abade Eisai faleceu], enquanto a influência de sua virtude permanecia, os monges eram assim. Atualmente, não há nenhum que mantenha tal atitude.
Estudantes hoje, vocês devem saber disso, se algo é definitivamente benéfico a vocês e aos outros, bem como para o Caminho de Buda, você deve esquecer seu próprio eu [egoísta] e falar ou agir. Você não deve falar nem fazer nenhuma coisa sem sentido. Quando monges mais velhos estão falando ou fazendo algo, os mais jovens não devem interrompê-los. Isso é um regulamento deixado pelo Buda. Considere isso bem.
Mesmo os praticantes leigos têm a determinação de esquecer de si mesmos e pensar no Caminho. Muito tempo atrás, havia uma pessoa cujo nome era Rin-Shojo, de Cho[1]. Embora ele fosse de origem humilde, por causa de sua sabedoria, ele convidado pelo rei de Cho para administrar os negócios do estado.
Uma vez, ele foi enviado como representante do rei para levar um pedaço de jade chamado Choheki[2] para o estado de Shin. Uma vez que o rei de Shin tinha dito que ele trocaria quinze cidades pelo jade, Shodo foi designado para transportá-lo. Naquele tempo, os outros ministros conspiraram contra ele: “Se uma joia tão preciosa é confiada a um homem de origem inferior como Shojo, isso irá parecer que não há ninguém capaz neste país [a quem a joia poderia ser confiada]. Isso é vergonhoso para nós. Seremos desprezados pelas próximas gerações. Devemos matá-lo enquanto ele estiver a caminho e roubar o jade.”
Naquele momento, alguém secretamente advertiu Shojo e o aconselhou a declinar da missão de modo a salvar sua vida.
Shojo disse, “Não ouso recusar. Será um prazer ser conhecido pelas próximas gerações como Shojo, enviado do rei, que foi morto por maus ministros enquanto estava a caminho de Shin com o jade. Mesmo que eu seja morto, meu nome, como um homem sábio, será lembrado.”
Assim dizendo, ele partiu para Shin. Quando os outros ministros ficaram sabendo de seu comentário, eles disseram: “Não podemos matar uma pessoa como esta.” Então, eles desistiram da trama.
Por fim, Shojo conheceu o rei de Shin e deu-lhe o jade. No entanto, ele percebeu que o rei de Shin não estava disposto a dar as quinze cidades em troca da pedra. Shojo pensou em um plano e disse: “Há uma falha neste jade. Deixe-me mostrar.”
Assim dizendo, ele pegou o jade de volta e continuou: “Pelo seu comportamento, Majestade, o senhor não parece estar disposto a abrir mão das quinze cidades. Se isso for verdade, vou quebrar esse jade batendo a cabeça contra a coluna de bronze!”
Encarando o rei com olhos raivosos, ele se moveu em direção ao pilar de bronze como se fosse realmente quebrar o jade. O rei de Shin disse: “Não quebre a pedra! Darei as quinze cidades. Fique com o jade enquanto eu arranjo tudo.”
Depois, Shojo fez com que um de seus homens secretamente levasse o jade de volta a seu próprio país.
Mais tarde, os reis de Cho e Shin se encontraram em um lugar chamado Menchi para uma festa. O rei de Cho era um hábil tocador de alaúde. Quando o rei de Shin pediu-lhe para tocar, o rei de Cho começou a tocar sem consultar Shojo. Quando Shojo ouviu, ficou bravo porque seu rei havia obedecido uma ordem do rei de Shin. Ele disse: “Eu farei o rei de Shin tocar flauta”. Ele se aproximou do rei de Shin e perguntou: “Majestade, você é hábil em tocar flauta. O rei de Cho gostaria muito de ouvi-lo. Por favor, toque.”
O rei de Shin recusou. Um general de Shin pegou a espada e correu na direção de Shojo. Shojo olhou furiosamente para o general que, assustado, recuou sem desembainhar a espada. Ao final, o rei de Shin tocou a flauta.
Mais tarde, Shojo tornou-se o primeiro-ministro e passou a administrar os assuntos do país. Certa vez, outro ministro invejoso da posição mais elevada de Shojo, tentou matá-lo. Shojo fugiu e se escondeu aqui e ali. Parecendo ter medo do ministro, Shojo evitou propositadamente qualquer encontro com ele, mesmo quando tinha que ir à corte.
Um dos servidores de Shojo disse: “É fácil matar aquele ministro. Por que você se esconde com medo?”
Shojo disse: “Eu não tenho medo dele. Com meus olhos derrotei o general de Shin. Eu também peguei de volta o jade das mãos do próprio rei. Claro que posso matar o ministro. No entanto, levantar um exército e reunir tropas deve servir para defender nosso país contra nossos inimigos. Como os ministros, estamos agora encarregados de proteger o país. Se nós dois brigarmos e brigarmos um com o outro, um de nós morrerá. Então, metade será perdida. Se isso acontecer, os países vizinhos irão se deleitar e certamente irão nos atacar. Portanto, espero que nós dois permaneçamos ilesos para proteger nosso país juntos. É por isso que eu não luto com ele.”
Ao ouvir isso, o ministro ficou envergonhado de si mesmo e chamou Shojo para expressar seu arrependimento. Os dois então cooperaram na tarefa de governar o país.
Shojo esqueceu-se de si mesmo e realizou o Caminho. Agora, para manter o Caminho de Buda, devemos ter a mesma atitude. É melhor morrer pelo Caminho do que viver sem ele.
[1] Um dos sete países fortes durante o Período dos Reinos Combatentes (465–221B.C.). Em 221 a.C., a China foi unificada pela dinastia Shin.
[2] Heki é uma peça plana redonda de jade com um buraco no centro usada para fins cerimoniais na China antiga.
“(…) Há um certo monge a quem falta totalmente a mente bodai. Uma vez que ele é um amigo próximo, gostaria de dizer a ele que ore para os budas e deuses para despertar a mente bodai. Mas ele, por certo, ficará bravo e isso poderá custar nossa amizade. Entretanto, a menos que ele desperte a mente bodai, é inútil apenas sermos amigos próximos.”.
LIVRO 4
4-9
Dogen instruiu:
Uma pessoa ignorante pensa e fala de coisas sem sentido. Há uma monja idosa trabalhando para este templo. Parece que hoje ela está envergonhada de sua situação humilde, então ela tende a conversar com os outros sobre como ela costumava ser uma dama da alta sociedade. Mesmo que as pessoas acreditem nela, não há nenhum mérito nisso. É totalmente sem sentido.
Acredito que todos tendem a sustentar sentimentos como os dela. Entretanto, tais sentimentos claramente demonstram uma falta da mente bodai. Dever-se-ia reformular esse tipo de mentalidade e se tornar mais compassivo.
Há também um certo ‘monge leigo’[1] a quem falta totalmente a mente bodai. Uma vez que ele é um amigo próximo, gostaria de dizer a ele que ore para os budas e deuses para despertar a mente bodai. Mas ele, por certo, ficará bravo e isso poderá custar nossa amizade. Entretanto, a menos que ele desperte a mente bodai, é inútil apenas sermos amigos próximos.
[1] Minamoto Akikane (?-1215). Monge leigo é uma tradução para nyudo (aquele que adentrou o Caminho), o que significa uma pessoa que recebeu ordenação e se tornou um monge, ainda assim vive em casa com sua família. “Vice ministro” é a tradução para chunagon.