Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (67) – Livro 4 Parte 5

“(…) Praticar o Caminho também é assim. Este Caminho está inerente em cada um de nós; ainda assim, a conquista do Caminho depende da ajuda de co-praticantes. Embora cada pessoa seja brilhante, nossa prática do Caminho ainda precisa do poder de outras pessoas [na sanga]. Portanto, enquanto você unifica sua mente e concentra sua aspiração, pratique e busque o Caminho junto com os outros. Uma pedra bruta torna-se uma vasilha quando moldada; um ser humano se torna benevolente e sábio com o refinamento. Que joia brilha desde a sua criação? Quem é brilhante desde o início? Você deve polir e refinar. Portanto, não se depreciem e não relaxem na prática do Caminho.”

LIVRO 4

4-5

No segundo ano da Era Katei (1236 d.C.)[1], ao anoitecer do último dia do décimo segundo mês, Mestre Dogen me nomeou [Ejo] para ser o shuso (monge principal)[2] de Koshoji. Depois de um discurso informal[3], Dogen pediu que eu, como shuso, pegasse o hossu[4] e, pela primeira vez, desse uma palestra. Fui o primeiro shuso de Koshoji.

Em seu breve discurso, Mestre Dogen levantou a questão da transmissão do Darma de Buda nesta linhagem.

 “O Primeiro Ancestral[5]  veio do Oeste e ficou no Templo Shorin. Ele sentou-se de frente para a parede, esperando por alguém [a quem pudesse transmitir o Darma] e antevendo o tempo [quando o Darma se espalharia]. Em dezembro de um certo ano, Shinko veio e passou a praticar com ele. O Primeiro Ancestral sabia que ele era um receptáculo do Supremo Veículo[6], então ele o ensinou e o guiou; tanto o darma quanto o manto foram transmitidos a ele. Seus descendentes se espalharam por todo o país e o Darma verdadeiro prevaleceu até os dias atuais.

“Pela primeira vez, nomeei um shuso neste mosteiro. Hoje lhe pedi que pegasse o hossu e desse uma palestra. Não se preocupe com o pequeno número nesta sanga. [Para Ejo] Não se incomode por ser um iniciante. Com Funyo[7] havia apenas seis ou sete pessoas; com Yakusan[8] havia menos de dez. No entanto, todos eles praticavam o Caminho dos budas e ancestrais. A isso chamaram de ‘o florescimento dos mosteiros’.”

Reflita sobre o fato de alguém ter compreendido o Caminho ao ouvir o som do bambu; que outro teve a Mente clarificada ao vislumbrar flores de pêssego desabrochando[9]. Como poderia ser possível diferenciar árvores de bambu inteligentes das tolas, ou as deludidas das iluminadas? Como poderia haver superficiais ou profundas, sábias ou tolas entre as flores? As flores desabrocham todos os anos, mas nem todas as pessoas alcançam a iluminação ao vê-las. As pedras frequentemente atingem o bambu, ainda assim nem todos que ouvem esse som têm o Caminho clarificado. Apenas como resultado de um longo estudo e da prática contínua, pautado em um esforço diligente no Caminho, é que alguém compreende o Caminho ou clarifica a Mente. Isso não ocorre porque o som do bambu foi especialmente maravilhoso, nem porque a cor das flores de pêssego foi particularmente profunda. Embora o som do bambu seja maravilhoso, ele não soa por si só; ele ressoa com o auxílio de um pedaço de telha. Embora a cor das flores de pêssego seja linda, elas não desabrocham por si mesmas; elas abrem com a ajuda da brisa da primavera. 

Praticar o Caminho também é assim. Este Caminho está inerente em cada um de nós; ainda assim, a conquista do Caminho depende da ajuda de co-praticantes. Embora cada pessoa seja brilhante, nossa prática do Caminho ainda precisa do poder de outras pessoas [na sanga]. Portanto, enquanto você unifica sua mente e concentra sua aspiração, pratique e busque o Caminho junto com os outros. Uma pedra bruta torna-se uma vasilha quando moldada; um ser humano se torna benevolente e sábio com o refinamento. Que joia brilha desde a sua criação? Quem é brilhante desde o início? Você deve polir e refinar. Portanto, não se depreciem e não relaxem na prática do Caminho. 

Um ancião disse: “Não gaste seu tempo em vão”. Agora, eu lhes pergunto: por acaso o tempo para, embora você o aprecie? Ou ele continua mesmo que você se lamente? Você deve saber que não é o tempo que passa em vão; é a pessoa que o desperdiça. Isso significa que os seres humanos, assim como o tempo, têm que se dedicar à prática do Caminho, em vez de gastar seu tempo em vão.

“Assim, unam suas mentes ao estudar e praticar. Não é fácil sustentar o darma por mim mesmo [por isso pedi ao novo shuso que me ajudasse]. A maneira como os budas e os ancestrais praticaram sempre foi assim. Muitos alcançaram o Caminho seguindo os ensinamentos do Tatagata (Xaquiamuni), mas houve quem constatou o Caminho através de Ananda.[10] Shuso, você não deve se depreciar dizendo que você não é um receptáculo  [do darma]. Dê uma palestra a seus companheiros de prática sobre a história dos três quilos de gergelim de Tozan”.[11] 

Dogen desceu do assento, o tambor foi tocado novamente e o shuso [eu] pegou o hossu. Este foi o primeiro “tomar o hossu” em Koshoji. Eu tinha trinta e nove anos.  


[1] Em dezembro de 1235, Dogen começou a levantar doações para a construção do sodo (sala dos monges) em Koshoji. A construção foi concluída em outubro de 1236. Este foi o primeiro sodo formal no Japão.

[2]  Consulte capítulo 3-5, nota de rodapé 2.

[3] Shosan, literalmente “pequena reunião”. Geralmente, o Shosan era realizado nos aposentos do abade onde ele daria uma palestra enquanto que “jodo” é chamado daisan, a grande reunião realizada no hatto, o salão do darma. No Eihei-koroku Dogen disse: “Shosan é o ensinamento da família dos Budas e ancestrais. No Japão, até mesmo o nome era desconhecido. Desnecessário dizer, o costume por trás do nome nunca havia sido cumprido. Vinte anos se passaram desde que o introduzi e comecei a praticá-lo (no Japão).”  

[4]Cajado curto de madeira ou bambu com cabelo enrolado (de vaca, cavalo ou iaque) ou cânhamo empunhado por um sacerdote zen budista (N.T). Hinpotsu em japonês significa literalmente “pegar o espanador”. Na verdade, refere-se a uma palestra proferida pelo monge chefe ou outro monge sênior no lugar do abade. É assim chamada porque a pessoa que dá a palestra toma o  espanador do abade.  

[5] O primeiro ancdestral do Zen chinês, Bodhidharma (? –495, 346–495,? – 528 ou? –536), transmitiu o dharma da Índia para a China. De acordo com a lenda, Bodhidharma conheceu Butei de Ryo e foi para Shorinji, onde sentou-se em zazen por nove anos. Durante esse período, Shinko veio e acabou se tornando seu discípulo. Shinko mudou seu nome para Eka. Ele se tornou o segundo ancestral.

[6] Os monges zen chamam a Realidade de “Veículo Supremo” porque ela transcende a discriminação entre Mahayana e Hinayana.

[7] Funyo Zensho (947-1024), mestre zen chinês da escola Rinzai.

[8] Yakusan Igen (751–834), discípulo de Sekito Kisen.

[9] Consulte capítulo 2-26, nota de rodapé 1.

[10]Ananda foi um dos dez grandes discípulos do Buda. Ele foi assistente de Buda por mais de vinte anos e guardou todos os seus sermões de cor. Após a morte de Buda, Ananda recitou os sermões que havia memorizado, os quais, mais tarde, foram compilados em uma coleção de sutras.

[11] Tozan Shusho, discípulo de Unmon Bunen (? –949). Um monge lhe perguntou: “O que é o Buda?” Tozan disse. “Três quilos de gergelim.”

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (66) – Livro 4 Parte 4

“(…) Associar-se a uma boa pessoa é como caminhar em meio a névoa e ao orvalho; embora você não fique encharcado, gradualmente suas vestes ficarão úmidas (…).Do mesmo modo, se você praticar zazen por um longo tempo, você irá subitamente clarificar a Grande Questão e reconhecerá que o zazen é o verdadeiro portal (para o buda-darma) “

LIVRO 4

4-4

Certo dia Dogen instruiu,

Um ancião disse, “Associar-se a uma boa pessoa é como caminhar em meio a névoa e ao orvalho; embora você não fique encharcado, gradualmente suas vestes ficarão úmidas.”[1] Isso significa que, se você se familiarizar com uma boa pessoa, você mesmo se tornará bom sem perceber.

Em tempos antigos, um jovem que servia Mater Gutei (Judi)[2], sem perceber quando ele estava aprendendo ou quando ele estava praticando, realizou o Caminho porque serviu como assistente pessoal do mestre que praticava havia muito tempo.

Do mesmo modo, se você praticar zazen por um longo tempo, você irá subitamente clarificar a Grande Questão e reconhecerá que o zazen é o verdadeiro portal (para o buda-darma).


[1] Citação do Isankyosaku, escrito por Isan Reiyu (771-853).

[2] Sempre que faziam perguntas a Gutei, ele não fazia nada além de levantar um dedo. Um dia, alguém perguntou ao seu atendente qual era o ensinamento do mestre e o jovem, imitando a ação de seu mestre, levantou um dedo. Quando Gutei ouviu isso, ele cortou o dedo do jovem, que fugiu chorando. Gutei chamou o jovem pelo nome e, quando ele se virou para responder, Gutei levantou o dedo. O jovem subitamente se iluminou.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (65) – Livro 4 Parte 3

“(…) Mesmo que você pense que compreendeu os ensinamentos temporários e os verdadeiros ensinamentos ou as autenticas escrituras (…), se você não se desapegou da mente que está agarrada ao seu corpo, é como inutilmente contar a riqueza alheia sem possuir sequer meio centavo seu. Eu imploro que você sente silenciosamente e busque o início e o fim deste corpo no terreno da realidade (…). “

LIVRO 4

4-3

Dogen também instruiu,

O ponto principal que você deve observar é o desapegar-se de pontos de vista pessoais. Desapegar-se de pontos de vista pessoais significa não se apegar ao seu corpo. Mesmo que você tenha estudado minuciosamente as palavras e histórias dos antigos mestres, e tenha praticado zazen de forma contínua e tão imóvel quanto ferro ou pedra, se você se apegar ao seu corpo e não se desapegar dele, você será incapaz de alcançar o Caminho dos Budas e ancestrais, nem em dez mil éons ou em mil vidas.

Mesmo que você pense que compreendeu os ensinamentos temporários e os verdadeiros ensinamentos ou as autenticas escrituras Exotéricas e Esotéricas, se você não se desapegou da mente que está agarrada ao seu corpo, é como inutilmente contar a riqueza alheia sem possuir sequer meio centavo seu. Eu imploro que você sente silenciosamente e busque o início e o fim deste corpo no terreno da realidade. Seu corpo, cabelo e pele são originalmente compostos de duas gotas de seu pai e mãe. Uma vez que a respiração cessa, eles se dispersam e, por fim, se transformam em lama e terra nas montanhas e campos. Como você pode se apegar a seu corpo? Além disso, olhando para o seu corpo tendo por base o darma, entre a reunião e a dispersão dos dezoito elementos[1], quais você identifica como sendo seu corpo? Há diferenças entre as escolas de ensino e aquelas que não são escolas de ensino (Zen)[2]. Entretanto, ambas mostram a impossibilidade de se prender ao corpo, do começo ao fim, e asseveram que a ausência de ego é o ponto essencial na prática do Caminho. Se você, primeiramente, perceber esta realidade, o verdadeiro Caminho de Buda se manifestará com clareza.


[1] Os seis órgãos dos sentidos são os olhos, ouvidos, nariz, língua, o corpo tátil e a mente, enquanto os seis objetos dos órgãos dos sentidos são cor e forma, som, odor, sabor, objetos tangíveis, objetos da mente. As seis consciências correspondem aos seis órgãos dos sentidos e seus objetos, consciência visual, consciência auditiva, consciência olfativa, consciência gustativa, consciência tátil e consciência não sensorial.

[2] Referência às escolas baseadas em ensinamentos escritos, como as Escolas Kegon, Tendai, Sanron, etc., e a Escola Zen, que insiste que a mente de Buda deve ser mostrada diretamente sem o uso de ensinamentos verbais.