“(…) Há um certo monge a quem falta totalmente a mente bodai. Uma vez que ele é um amigo próximo, gostaria de dizer a ele que ore para os budas e deuses para despertar a mente bodai. Mas ele, por certo, ficará bravo e isso poderá custar nossa amizade. Entretanto, a menos que ele desperte a mente bodai, é inútil apenas sermos amigos próximos.”.
LIVRO 4
4-9
Dogen instruiu:
Uma pessoa ignorante pensa e fala de coisas sem sentido. Há uma monja idosa trabalhando para este templo. Parece que hoje ela está envergonhada de sua situação humilde, então ela tende a conversar com os outros sobre como ela costumava ser uma dama da alta sociedade. Mesmo que as pessoas acreditem nela, não há nenhum mérito nisso. É totalmente sem sentido.
Acredito que todos tendem a sustentar sentimentos como os dela. Entretanto, tais sentimentos claramente demonstram uma falta da mente bodai. Dever-se-ia reformular esse tipo de mentalidade e se tornar mais compassivo.
Há também um certo ‘monge leigo’[1] a quem falta totalmente a mente bodai. Uma vez que ele é um amigo próximo, gostaria de dizer a ele que ore para os budas e deuses para despertar a mente bodai. Mas ele, por certo, ficará bravo e isso poderá custar nossa amizade. Entretanto, a menos que ele desperte a mente bodai, é inútil apenas sermos amigos próximos.
[1] Minamoto Akikane (?-1215). Monge leigo é uma tradução para nyudo (aquele que adentrou o Caminho), o que significa uma pessoa que recebeu ordenação e se tornou um monge, ainda assim vive em casa com sua família. “Vice ministro” é a tradução para chunagon.
“(…) Um ancestral disse: “Não seja arrogante e nem se considere igual aos sábios superiores. Mas também não se deprecie e nem se considere inferior”. Isso significa que ambos são [uma espécie de] arrogância. Embora você possa estar em uma alta posição, não se esqueça que você pode cair. Embora você possa estar seguro agora, lembre-se que você pode ter que enfrentar o perigo. Embora você possa estar vivo hoje, não pense que você estará necessariamente vivo amanhã. O perigo da morte está bem aos seus pés”.
LIVRO 4
4-8
Certo dia, Dogen instruiu:
Estudantes do Caminho, como iniciantes, quer você tenha ou não mente bodai (bodi citta), você deveria ler e estudar minuciosamente as escrituras, sutras e śastras[1].
Minha mente bodai foi inicialmente despertada por conta de minha percepção da impermanência. Eu visitei muitos lugares, tanto próximos quanto distantes [para encontrar um verdadeiro professor] e, afinal, deixei o mosteiro em Monte Hiei para praticar o Caminho. Finalmente me fixei em Kennin Ji. Durante esse tempo, uma vez que não consegui encontrar um verdadeiro professor nem bons praticantes, fiquei confuso e maus pensamentos brotaram.
Primeiramente, meus professores me ensinaram que eu deveria estudar tanto quanto os nossos predecessores, a fim de me tornar sábio, conhecido na corte e famoso em todo o país. Então, quando estudei os ensinamentos, pensei em me tornar igual aos sábios antigos deste país ou igual àqueles que receberam o título de Daishi (grande professor)[2], etc.
Quando eu li o Kosoden, Zoku-kosoden[3] e assim por diante, e aprendi sobre o estilo de vida de eminentes monges e seguidores do Darma de Buda na Grande China, notei que eles eram diferentes daquilo que meus professores haviam me ensinado. Eu também comecei a entender que a mente que eu havia estimulado era desprezada e odiada em todos os sutras, śastras e biografias. Finalmente, percebi a verdade; mesmo se eu pensasse em obter fama, seria melhor me sentir pequeno [envergonhado] perante os antigos sábios e pessoas sinceras de gerações vindouras, do que ser bem visto pelas pessoas indignas de hoje.
Se eu desejar ser igual a alguém, então seria melhor sentir-me menor [envergonhado] perante os eminentes predecessores da Índia e da China e trabalhar para me tornar igual a eles. Então, desejo me tornar igual aos vários seres celestiais, seres não visíveis, Budas e bodisatvas.
Tendo percebido esta verdade, considerei aqueles neste país com o título de “Grande professor” e assim por diante, como sujeira ou telhas quebradas. Eu reformulei completamente meu ponto de vista anterior. Observe a vida do Buda. Ele abandonou o trono e adentrou as montanhas e florestas. Durante toda a sua vida, ele mendigou por comida, mesmo depois de ter completado o Caminho.
Em um texto de Preceitos[4] diz-se “Saber que o lar não é o lar, abandone o lar e se torne um monge sem teto.”
Um ancestral disse: “Não seja arrogante e nem se considere igual aos sábios superiores. Não se deprecie e nem se considere inferior”.
Isso significa que ambos são [uma espécie de] arrogância. Embora você possa estar em uma alta posição, não se esqueça que você pode cair. Embora você possa estar seguro agora, lembre-se que você pode ter que enfrentar o perigo. Embora você possa estar vivo hoje, não pense que você estará necessariamente vivo amanhã. O perigo da morte está bem aos seus pés”.
[1] Comentários sobre os Sutras. Um dos Tri-Pitaka (três categorias de escrituras budistas), ou seja, os sutras, os sastras e o vinaya (textos de preceitos).
[2] Na China e no Japão, Daishi ou “grande professor” era um titulo honorífico dado pelos imperadores.
[3] O Zoku-kosoden foi compilado por Nanzan Dosen (596–667) o fundador da Escola Nanzan-ritsu. Esta coleção de 30 volumes inclui as biografias dos monges da dinastia Liang (502–557) até o início da dinastia Tang (618–907).
[4] Décimo quarto capítulo do Makasogiritsu (Preceitos da Escola Mahasangika).
“(…) Mesmo que as nuvens flutuantes cubram o sol e a lua, elas não ficarão por muito tempo. Mesmo que os ventos do outono façam murchar as flores, elas voltarão a florescer.” Se o rei for sábio o suficiente, ele não será derrotado, mesmo que os ministros sejam maus. Deve ser o mesmo em relação à manutenção do Caminho de Buda. Não importa o quanto as mentes nocivas surjam, se você se mantiver firme, sustentar (a aspiração) e praticar por um longo tempo, as nuvens flutuantes desaparecerão e os ventos de outono cessarão..”
LIVRO 4
4-7
Dogen instruiu:
Estudantes do Caminho, a razão pela qual vocês não obtêm iluminação é porque vocês se prendem às suas velhas visões. Sem saber quem lhes ensinou, vocês pensam que a ‘mente’ é a função de seu cérebro – pensamento e discriminação. Quando eu lhes digo que ‘mente’ é grama e árvores[1], vocês não acreditam. Quando vocês falam sobre o Buda, pensam que o Buda deve ter várias características físicas e um halo brilhante. Se eu digo que o Buda é telhas e seixos quebrados[2], vocês demonstram espanto. As visões às quais vocês se apegam não são nem o que foi transmitido a vocês pelo seu pai, nem o que sua mãe lhes ensinou. Você acredita nelas por nenhuma razão especial; elas são o resultado de terem ouvido, por muito tempo, o que as pessoas disseram. Portanto, uma vez que é a palavra definida dos budas e ancestrais, quando se diz que ‘mente’ é grama e árvores, vocês deveriam entender que grama e árvores são ‘mente’, e se lhes disserem que ‘Buda’ é telhas e seixos, vocês devem acreditar que telhas e seixos são o ‘Buda’. Assim, se vocês modificarem seu apego, serão capazes de obter o Caminho.
Um ancião disse: “Embora o sol e a lua brilhem vivamente, as nuvens flutuantes os cobrem. Embora os cachos de orquídeas estejam prestes a florescer, os ventos do outono sopram fazendo com que murchem.” Isso é encontrado no Jogan Seiyo[3], onde se compara um rei sábio e seus ministros malignos. Reafirmando isso: “Mesmo que as nuvens flutuantes cubram o sol e a lua, elas não ficarão por muito tempo. Mesmo que os ventos do outono façam murchar as flores, elas voltarão a florescer.” Se o rei for sábio o suficiente, ele não será derrotado, mesmo que os ministros sejam maus. Deve ser o mesmo em relação à manutenção do Caminho de Buda. Não importa o quanto as mentes malignas surjam, se você se mantiver firme, sustentar (a aspiração) e praticar por um longo tempo, as nuvens flutuantes desaparecerão e os ventos de outono cessarão.
[1] No Zekkan-ron (Diálogo sobre a Contemplação da Extinção) traduzido por Gishin Tokiwa, há um diálogo sobre grama e árvores. Passagem pergunta: “O Caminho está apenas no corpo espiritual? Ou também está na grama e nas árvores?” Realização responde: “Não há lugar em que o Caminho não penetre”.
[2] Há um diálogo sobre telhas quebradas entre Nanyo Echu e um monge. O monge perguinta: “Qual é a mente do antigo Buda?” O mestre disse, “Cercas, muros, telhas quebradas e seixos.”
[3] Coleção de dez volumes de discussões sobre política entre o imperador Taiso, da dinastia To, e seus ministros. Também estudado no Japão como livro didático por alunos pertencentes a famílias da nobreza e da classe samurai.