Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (70) – Livro 4 Parte 8

“(…) Um ancestral disse: “Não seja arrogante e nem se considere igual aos sábios superiores. Mas também não se deprecie e nem se considere inferior”. Isso significa que ambos são [uma espécie de] arrogância. Embora você possa estar em uma alta posição, não se esqueça que você pode cair. Embora você possa estar seguro agora, lembre-se que você pode ter que enfrentar o perigo. Embora você possa estar vivo hoje, não pense que você estará necessariamente vivo amanhã. O perigo da morte está bem aos seus pés”.

LIVRO 4

4-8

Certo dia, Dogen instruiu:

Estudantes do Caminho, como iniciantes, quer você tenha ou não mente bodai (bodi citta), você deveria ler e estudar minuciosamente as escrituras, sutras e śastras[1].

Minha mente bodai foi inicialmente despertada por conta de minha percepção da impermanência. Eu visitei muitos lugares, tanto próximos quanto distantes [para encontrar um verdadeiro professor] e, afinal, deixei o mosteiro em Monte Hiei para praticar o Caminho. Finalmente me fixei em Kennin Ji. Durante esse tempo, uma vez que não consegui encontrar um verdadeiro professor nem bons praticantes, fiquei confuso e maus pensamentos brotaram.

Primeiramente, meus professores me ensinaram que eu deveria estudar tanto quanto os nossos predecessores, a fim de  me tornar sábio, conhecido na corte e famoso em todo o país. Então, quando estudei os ensinamentos, pensei em me tornar igual aos sábios antigos deste país ou igual àqueles que receberam o título de Daishi (grande professor)[2], etc.

Quando eu li o Kosoden, Zoku-kosoden[3] e assim por diante, e aprendi sobre o estilo de vida de eminentes monges e seguidores do Darma de Buda na Grande China, notei que eles eram diferentes daquilo que meus professores haviam me ensinado. Eu também comecei a entender que a mente que eu havia estimulado era desprezada e odiada em todos os sutras, śastras e biografias. Finalmente, percebi a verdade; mesmo se eu pensasse em obter fama, seria melhor me sentir pequeno [envergonhado] perante os antigos sábios e pessoas sinceras de gerações vindouras, do que ser bem visto pelas pessoas indignas de hoje.

Se eu desejar ser igual a alguém, então seria melhor sentir-me menor [envergonhado] perante os eminentes predecessores da Índia e da China e trabalhar para me tornar igual a eles. Então, desejo me tornar igual aos vários seres celestiais, seres não visíveis, Budas e bodisatvas.

Tendo percebido esta verdade, considerei aqueles neste país com o título de “Grande professor” e assim por diante, como sujeira ou telhas quebradas. Eu reformulei completamente meu ponto de vista anterior. Observe a vida do Buda. Ele abandonou o trono e adentrou as montanhas e florestas. Durante toda a sua vida, ele mendigou por comida, mesmo depois de ter completado o Caminho.

Em um texto de Preceitos[4] diz-se “Saber que o lar não é o lar, abandone o lar e se torne um monge sem teto.”

Um ancestral disse: “Não seja arrogante e nem se considere igual aos sábios superiores. Não se deprecie e nem se considere inferior”.

Isso significa que ambos são [uma espécie de] arrogância. Embora você possa estar em uma alta posição, não se esqueça que você pode cair. Embora você possa estar seguro agora, lembre-se que você pode ter que enfrentar o perigo. Embora você possa estar vivo hoje, não pense que você estará necessariamente vivo amanhã. O perigo da morte está bem aos seus pés”.


[1] Comentários sobre os Sutras. Um dos Tri-Pitaka (três categorias de escrituras budistas), ou seja, os sutras, os sastras e o vinaya (textos de preceitos).

[2] Na China e no Japão, Daishi ou “grande professor” era um titulo honorífico dado pelos imperadores.

[3] O Zoku-kosoden foi compilado por Nanzan Dosen (596–667) o fundador da Escola  Nanzan-ritsu. Esta coleção de 30 volumes inclui as biografias dos monges da dinastia Liang (502–557) até o início da dinastia Tang (618–907).

[4] Décimo quarto capítulo do Makasogiritsu (Preceitos da Escola Mahasangika).

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (69) – Livro 4 Parte 7

“(…) Mesmo que as nuvens flutuantes cubram o sol e a lua, elas não ficarão por muito tempo. Mesmo que os ventos do outono façam murchar as flores, elas voltarão a florescer.” Se o rei for sábio o suficiente, ele não será derrotado, mesmo que os ministros sejam maus. Deve ser o mesmo em relação à manutenção do Caminho de Buda. Não importa o quanto as mentes nocivas surjam, se você se mantiver firme, sustentar (a aspiração) e praticar por um longo tempo, as nuvens flutuantes desaparecerão e os ventos de outono cessarão..”

LIVRO 4

4-7

Dogen instruiu:

Estudantes do Caminho, a razão pela qual vocês não obtêm iluminação é porque vocês se prendem às suas velhas visões. Sem saber quem lhes ensinou, vocês pensam que a ‘mente’ é a função de seu cérebro – pensamento e discriminação. Quando eu lhes digo que ‘mente’ é grama e árvores[1], vocês não acreditam. Quando vocês falam sobre o Buda, pensam que o Buda deve ter várias características físicas e um halo brilhante. Se eu digo que o Buda é telhas e seixos quebrados[2], vocês demonstram espanto. As visões às quais vocês se apegam não são nem o que foi transmitido a vocês pelo seu pai, nem o que sua mãe lhes ensinou. Você acredita nelas por nenhuma razão especial; elas são o resultado de terem ouvido, por muito tempo, o que as pessoas disseram. Portanto, uma vez que é a palavra definida dos budas e ancestrais, quando se diz que ‘mente’ é grama e árvores, vocês deveriam entender que grama e árvores são ‘mente’, e se lhes disserem que ‘Buda’ é telhas e seixos, vocês devem acreditar que telhas e seixos são o ‘Buda’. Assim, se vocês modificarem seu apego, serão capazes de obter o Caminho.

Um ancião disse: “Embora o sol e a lua brilhem vivamente, as nuvens flutuantes os cobrem. Embora os cachos de orquídeas estejam prestes a florescer, os ventos do outono sopram fazendo com que murchem.” Isso é encontrado no Jogan Seiyo[3], onde se compara um rei sábio e seus ministros malignos. Reafirmando isso: “Mesmo que as nuvens flutuantes cubram o sol e a lua, elas não ficarão por muito tempo. Mesmo que os ventos do outono façam murchar as flores, elas voltarão a florescer.” Se o rei for sábio o suficiente, ele não será derrotado, mesmo que os ministros sejam maus. Deve ser o mesmo em relação à manutenção do Caminho de Buda. Não importa o quanto as mentes malignas surjam, se você se mantiver firme, sustentar (a aspiração) e praticar por um longo tempo, as nuvens flutuantes desaparecerão e os ventos de outono cessarão.


[1] No Zekkan-ron (Diálogo sobre a Contemplação da Extinção) traduzido por Gishin Tokiwa, há um diálogo sobre grama e árvores. Passagem pergunta: “O Caminho está apenas no corpo espiritual? Ou também está na grama e nas árvores?” Realização responde: “Não há lugar em que o Caminho não penetre”.

[2] Há um diálogo sobre telhas quebradas entre Nanyo Echu e um monge. O monge perguinta: “Qual é a mente do antigo Buda?” O mestre disse, “Cercas, muros, telhas quebradas e seixos.”

[3] Coleção de dez volumes de discussões sobre política entre o imperador Taiso, da dinastia To, e seus ministros. Também estudado no Japão como livro didático por alunos pertencentes a famílias da nobreza e da classe samurai.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (68) – Livro 4 Parte 6

“(…) De acordo com os textos dos Preceitos, houve vários monges [na época de Buda]. Alguns tinham mentes incrivelmente más. Entretanto, está escrito que todos, por fim, alcançaram o Caminho e se tornaram Arahats. Portanto, mesmo que sejamos mesquinhos e inferiores, devemos imediatamente despertar a mente bodai, entendendo que se despertamos tal mente e tal prática, iremos definitivamente obter o Caminho. Todos os antigos suportaram dor e frio, mesmo assim eles praticaram em meio a sua aflição. Estudantes hoje, mesmo que vocês estejam sofrendo dor física ou angústia mental, devem se forçar para praticar o Caminho.”

LIVRO 4

4-6

Certo dia Dogen instruiu:

Um leigo disse, “Quem não quer ter roupas finas? Quem não ama ricos sabores? Entretanto, pessoas que aspiram aprender o Caminho adentram as montanhas, dormem sob as nuvens e suportam frio e fome. Não pense que os antigos não sofriam; eles suportavam sofrimento com o propósito de permanecer no Caminho. Pessoas em gerações posteriores ouvem isso e reverenciam o Caminho, respeitando a virtude de nossos predecessores.”

Mesmo entre leigos, os sábios são assim. 

Pessoas praticando o Caminho de Buda não devem deixar de manter esta atitude. Nem todos os antigos tiveram ossos de ouro; nem todos os contemporâneos de Buda eram veículos superiores [do darma]. De acordo com os textos dos Preceitos [Vinaya-pitaka][1] houve vários monges. Alguns tinham mentes incrivelmente más. Entretanto, está escrito que todos, por fim, alcançaram o Caminho e se tornaram Arahats[2]. Portanto, mesmo que sejamos mesquinhos e inferiores, devemos imediatamente despertar a mente bodai, entendendo que se despertamos tal mente e tal prática, iremos definitivamente obter o Caminho. Todos os antigos suportaram dor e frio, mesmo assim eles praticaram em meio a sua aflição. Estudantes hoje, mesmo que vocês estejam sofrendo dor física ou angústia mental, devem se forçar para praticar o Caminho.


[1] Coleção de preceitos. Uma das três categorias das escrituras budistas. Os textos dos Preceitos contêm regras de conduta e de lógica, ou histórias sobre o porquê de tais regras terem sido estabelecidas. O Buda criou regras cada vez que um estudante fazia algo errado.

[2] Um santo que destruiu completamente os maus desejos dentro de si e alcançou a emancipação do ciclo do samsara.