Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (69) – Livro 4 Parte 7

“(…) Mesmo que as nuvens flutuantes cubram o sol e a lua, elas não ficarão por muito tempo. Mesmo que os ventos do outono façam murchar as flores, elas voltarão a florescer.” Se o rei for sábio o suficiente, ele não será derrotado, mesmo que os ministros sejam maus. Deve ser o mesmo em relação à manutenção do Caminho de Buda. Não importa o quanto as mentes nocivas surjam, se você se mantiver firme, sustentar (a aspiração) e praticar por um longo tempo, as nuvens flutuantes desaparecerão e os ventos de outono cessarão..”

LIVRO 4

4-7

Dogen instruiu:

Estudantes do Caminho, a razão pela qual vocês não obtêm iluminação é porque vocês se prendem às suas velhas visões. Sem saber quem lhes ensinou, vocês pensam que a ‘mente’ é a função de seu cérebro – pensamento e discriminação. Quando eu lhes digo que ‘mente’ é grama e árvores[1], vocês não acreditam. Quando vocês falam sobre o Buda, pensam que o Buda deve ter várias características físicas e um halo brilhante. Se eu digo que o Buda é telhas e seixos quebrados[2], vocês demonstram espanto. As visões às quais vocês se apegam não são nem o que foi transmitido a vocês pelo seu pai, nem o que sua mãe lhes ensinou. Você acredita nelas por nenhuma razão especial; elas são o resultado de terem ouvido, por muito tempo, o que as pessoas disseram. Portanto, uma vez que é a palavra definida dos budas e ancestrais, quando se diz que ‘mente’ é grama e árvores, vocês deveriam entender que grama e árvores são ‘mente’, e se lhes disserem que ‘Buda’ é telhas e seixos, vocês devem acreditar que telhas e seixos são o ‘Buda’. Assim, se vocês modificarem seu apego, serão capazes de obter o Caminho.

Um ancião disse: “Embora o sol e a lua brilhem vivamente, as nuvens flutuantes os cobrem. Embora os cachos de orquídeas estejam prestes a florescer, os ventos do outono sopram fazendo com que murchem.” Isso é encontrado no Jogan Seiyo[3], onde se compara um rei sábio e seus ministros malignos. Reafirmando isso: “Mesmo que as nuvens flutuantes cubram o sol e a lua, elas não ficarão por muito tempo. Mesmo que os ventos do outono façam murchar as flores, elas voltarão a florescer.” Se o rei for sábio o suficiente, ele não será derrotado, mesmo que os ministros sejam maus. Deve ser o mesmo em relação à manutenção do Caminho de Buda. Não importa o quanto as mentes malignas surjam, se você se mantiver firme, sustentar (a aspiração) e praticar por um longo tempo, as nuvens flutuantes desaparecerão e os ventos de outono cessarão.


[1] No Zekkan-ron (Diálogo sobre a Contemplação da Extinção) traduzido por Gishin Tokiwa, há um diálogo sobre grama e árvores. Passagem pergunta: “O Caminho está apenas no corpo espiritual? Ou também está na grama e nas árvores?” Realização responde: “Não há lugar em que o Caminho não penetre”.

[2] Há um diálogo sobre telhas quebradas entre Nanyo Echu e um monge. O monge perguinta: “Qual é a mente do antigo Buda?” O mestre disse, “Cercas, muros, telhas quebradas e seixos.”

[3] Coleção de dez volumes de discussões sobre política entre o imperador Taiso, da dinastia To, e seus ministros. Também estudado no Japão como livro didático por alunos pertencentes a famílias da nobreza e da classe samurai.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (68) – Livro 4 Parte 6

“(…) De acordo com os textos dos Preceitos, houve vários monges [na época de Buda]. Alguns tinham mentes incrivelmente más. Entretanto, está escrito que todos, por fim, alcançaram o Caminho e se tornaram Arahats. Portanto, mesmo que sejamos mesquinhos e inferiores, devemos imediatamente despertar a mente bodai, entendendo que se despertamos tal mente e tal prática, iremos definitivamente obter o Caminho. Todos os antigos suportaram dor e frio, mesmo assim eles praticaram em meio a sua aflição. Estudantes hoje, mesmo que vocês estejam sofrendo dor física ou angústia mental, devem se forçar para praticar o Caminho.”

LIVRO 4

4-6

Certo dia Dogen instruiu:

Um leigo disse, “Quem não quer ter roupas finas? Quem não ama ricos sabores? Entretanto, pessoas que aspiram aprender o Caminho adentram as montanhas, dormem sob as nuvens e suportam frio e fome. Não pense que os antigos não sofriam; eles suportavam sofrimento com o propósito de permanecer no Caminho. Pessoas em gerações posteriores ouvem isso e reverenciam o Caminho, respeitando a virtude de nossos predecessores.”

Mesmo entre leigos, os sábios são assim. 

Pessoas praticando o Caminho de Buda não devem deixar de manter esta atitude. Nem todos os antigos tiveram ossos de ouro; nem todos os contemporâneos de Buda eram veículos superiores [do darma]. De acordo com os textos dos Preceitos [Vinaya-pitaka][1] houve vários monges. Alguns tinham mentes incrivelmente más. Entretanto, está escrito que todos, por fim, alcançaram o Caminho e se tornaram Arahats[2]. Portanto, mesmo que sejamos mesquinhos e inferiores, devemos imediatamente despertar a mente bodai, entendendo que se despertamos tal mente e tal prática, iremos definitivamente obter o Caminho. Todos os antigos suportaram dor e frio, mesmo assim eles praticaram em meio a sua aflição. Estudantes hoje, mesmo que vocês estejam sofrendo dor física ou angústia mental, devem se forçar para praticar o Caminho.


[1] Coleção de preceitos. Uma das três categorias das escrituras budistas. Os textos dos Preceitos contêm regras de conduta e de lógica, ou histórias sobre o porquê de tais regras terem sido estabelecidas. O Buda criou regras cada vez que um estudante fazia algo errado.

[2] Um santo que destruiu completamente os maus desejos dentro de si e alcançou a emancipação do ciclo do samsara.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (67) – Livro 4 Parte 5

“(…) Praticar o Caminho também é assim. Este Caminho está inerente em cada um de nós; ainda assim, a conquista do Caminho depende da ajuda de co-praticantes. Embora cada pessoa seja brilhante, nossa prática do Caminho ainda precisa do poder de outras pessoas [na sanga]. Portanto, enquanto você unifica sua mente e concentra sua aspiração, pratique e busque o Caminho junto com os outros. Uma pedra bruta torna-se uma vasilha quando moldada; um ser humano se torna benevolente e sábio com o refinamento. Que joia brilha desde a sua criação? Quem é brilhante desde o início? Você deve polir e refinar. Portanto, não se depreciem e não relaxem na prática do Caminho.”

LIVRO 4

4-5

No segundo ano da Era Katei (1236 d.C.)[1], ao anoitecer do último dia do décimo segundo mês, Mestre Dogen me nomeou [Ejo] para ser o shuso (monge principal)[2] de Koshoji. Depois de um discurso informal[3], Dogen pediu que eu, como shuso, pegasse o hossu[4] e, pela primeira vez, desse uma palestra. Fui o primeiro shuso de Koshoji.

Em seu breve discurso, Mestre Dogen levantou a questão da transmissão do Darma de Buda nesta linhagem.

 “O Primeiro Ancestral[5]  veio do Oeste e ficou no Templo Shorin. Ele sentou-se de frente para a parede, esperando por alguém [a quem pudesse transmitir o Darma] e antevendo o tempo [quando o Darma se espalharia]. Em dezembro de um certo ano, Shinko veio e passou a praticar com ele. O Primeiro Ancestral sabia que ele era um receptáculo do Supremo Veículo[6], então ele o ensinou e o guiou; tanto o darma quanto o manto foram transmitidos a ele. Seus descendentes se espalharam por todo o país e o Darma verdadeiro prevaleceu até os dias atuais.

“Pela primeira vez, nomeei um shuso neste mosteiro. Hoje lhe pedi que pegasse o hossu e desse uma palestra. Não se preocupe com o pequeno número nesta sanga. [Para Ejo] Não se incomode por ser um iniciante. Com Funyo[7] havia apenas seis ou sete pessoas; com Yakusan[8] havia menos de dez. No entanto, todos eles praticavam o Caminho dos budas e ancestrais. A isso chamaram de ‘o florescimento dos mosteiros’.”

Reflita sobre o fato de alguém ter compreendido o Caminho ao ouvir o som do bambu; que outro teve a Mente clarificada ao vislumbrar flores de pêssego desabrochando[9]. Como poderia ser possível diferenciar árvores de bambu inteligentes das tolas, ou as deludidas das iluminadas? Como poderia haver superficiais ou profundas, sábias ou tolas entre as flores? As flores desabrocham todos os anos, mas nem todas as pessoas alcançam a iluminação ao vê-las. As pedras frequentemente atingem o bambu, ainda assim nem todos que ouvem esse som têm o Caminho clarificado. Apenas como resultado de um longo estudo e da prática contínua, pautado em um esforço diligente no Caminho, é que alguém compreende o Caminho ou clarifica a Mente. Isso não ocorre porque o som do bambu foi especialmente maravilhoso, nem porque a cor das flores de pêssego foi particularmente profunda. Embora o som do bambu seja maravilhoso, ele não soa por si só; ele ressoa com o auxílio de um pedaço de telha. Embora a cor das flores de pêssego seja linda, elas não desabrocham por si mesmas; elas abrem com a ajuda da brisa da primavera. 

Praticar o Caminho também é assim. Este Caminho está inerente em cada um de nós; ainda assim, a conquista do Caminho depende da ajuda de co-praticantes. Embora cada pessoa seja brilhante, nossa prática do Caminho ainda precisa do poder de outras pessoas [na sanga]. Portanto, enquanto você unifica sua mente e concentra sua aspiração, pratique e busque o Caminho junto com os outros. Uma pedra bruta torna-se uma vasilha quando moldada; um ser humano se torna benevolente e sábio com o refinamento. Que joia brilha desde a sua criação? Quem é brilhante desde o início? Você deve polir e refinar. Portanto, não se depreciem e não relaxem na prática do Caminho. 

Um ancião disse: “Não gaste seu tempo em vão”. Agora, eu lhes pergunto: por acaso o tempo para, embora você o aprecie? Ou ele continua mesmo que você se lamente? Você deve saber que não é o tempo que passa em vão; é a pessoa que o desperdiça. Isso significa que os seres humanos, assim como o tempo, têm que se dedicar à prática do Caminho, em vez de gastar seu tempo em vão.

“Assim, unam suas mentes ao estudar e praticar. Não é fácil sustentar o darma por mim mesmo [por isso pedi ao novo shuso que me ajudasse]. A maneira como os budas e os ancestrais praticaram sempre foi assim. Muitos alcançaram o Caminho seguindo os ensinamentos do Tatagata (Xaquiamuni), mas houve quem constatou o Caminho através de Ananda.[10] Shuso, você não deve se depreciar dizendo que você não é um receptáculo  [do darma]. Dê uma palestra a seus companheiros de prática sobre a história dos três quilos de gergelim de Tozan”.[11] 

Dogen desceu do assento, o tambor foi tocado novamente e o shuso [eu] pegou o hossu. Este foi o primeiro “tomar o hossu” em Koshoji. Eu tinha trinta e nove anos.  


[1] Em dezembro de 1235, Dogen começou a levantar doações para a construção do sodo (sala dos monges) em Koshoji. A construção foi concluída em outubro de 1236. Este foi o primeiro sodo formal no Japão.

[2]  Consulte capítulo 3-5, nota de rodapé 2.

[3] Shosan, literalmente “pequena reunião”. Geralmente, o Shosan era realizado nos aposentos do abade onde ele daria uma palestra enquanto que “jodo” é chamado daisan, a grande reunião realizada no hatto, o salão do darma. No Eihei-koroku Dogen disse: “Shosan é o ensinamento da família dos Budas e ancestrais. No Japão, até mesmo o nome era desconhecido. Desnecessário dizer, o costume por trás do nome nunca havia sido cumprido. Vinte anos se passaram desde que o introduzi e comecei a praticá-lo (no Japão).”  

[4]Cajado curto de madeira ou bambu com cabelo enrolado (de vaca, cavalo ou iaque) ou cânhamo empunhado por um sacerdote zen budista (N.T). Hinpotsu em japonês significa literalmente “pegar o espanador”. Na verdade, refere-se a uma palestra proferida pelo monge chefe ou outro monge sênior no lugar do abade. É assim chamada porque a pessoa que dá a palestra toma o  espanador do abade.  

[5] O primeiro ancdestral do Zen chinês, Bodhidharma (? –495, 346–495,? – 528 ou? –536), transmitiu o dharma da Índia para a China. De acordo com a lenda, Bodhidharma conheceu Butei de Ryo e foi para Shorinji, onde sentou-se em zazen por nove anos. Durante esse período, Shinko veio e acabou se tornando seu discípulo. Shinko mudou seu nome para Eka. Ele se tornou o segundo ancestral.

[6] Os monges zen chamam a Realidade de “Veículo Supremo” porque ela transcende a discriminação entre Mahayana e Hinayana.

[7] Funyo Zensho (947-1024), mestre zen chinês da escola Rinzai.

[8] Yakusan Igen (751–834), discípulo de Sekito Kisen.

[9] Consulte capítulo 2-26, nota de rodapé 1.

[10]Ananda foi um dos dez grandes discípulos do Buda. Ele foi assistente de Buda por mais de vinte anos e guardou todos os seus sermões de cor. Após a morte de Buda, Ananda recitou os sermões que havia memorizado, os quais, mais tarde, foram compilados em uma coleção de sutras.

[11] Tozan Shusho, discípulo de Unmon Bunen (? –949). Um monge lhe perguntou: “O que é o Buda?” Tozan disse. “Três quilos de gergelim.”