Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (55) – Livro 3 Parte 7

“A profundidade da compaixão do Tatagata não pode ser alcançada nem mesmo por analogias. Tudo o que ele fez foi pelo bem de todos os seres vivos. Ele nunca fez nada que não fosse benéfico para os seres vivos. Uma vez que ele era o príncipe coroado dos cakravarti-raja (o rei que gira a roda do darma), ele poderia ter ascendido ao trono e governado o mundo da maneira que quisesse. Ele poderia ter cuidado de seus discípulos com tesouros e os criado com sua riqueza. Porque ele abriu mão de tal posição e praticou a mendicância por si mesmo? Ele se recusou a acumular riquezas e mendigou alimentos porque isso era mais benéfico aos seres vivos nas próximas gerações e para seus discípulos na prática do Caminho.

LIVRO 3

3-7

Dogen também instruiu:

Monges zen deveriam sempre ter em mente manter o modo de prática dos budas e ancestrais.

Antes de tudo, não cobice propriedade. A profundidade da compaixão do Tatagata não pode ser alcançada nem mesmo por analogias. Tudo o que ele fez foi pelo bem de todos os seres vivos. Ele nunca fez nada que não fosse benéfico para os seres vivos. Uma vez que ele era o príncipe coroado dos cakravarti-raja (o rei que gira a roda do darma)[1], ele poderia ter ascendido ao trono e governado o mundo da maneira que quisesse. Ele poderia ter cuidado de seus discípulos com tesouros e os criado com sua riqueza. Porque ele abriu mão de tal posição e praticou a mendicância por si mesmo? Ele se recusou a acumular riquezas e mendigou alimentos porque isso era mais benéfico aos seres vivos nas próximas gerações e para seus discípulos na prática do Caminho.

Desde então, todos os renomados ancestrais na Índia e na China viveram em extrema pobreza e praticaram a mendicância por alimento. Todos os ancestrais em nossa linhagem encorajaram totalmente a não acumulação de riquezas. Do mesmo modo, nas escolas de treinamento, quando as pessoas elogiam nossa escola, elas o fazem essencialmente por causa de nossa atitude diante da pobreza. Também nos livros transmitidos até a nossa era, a pobreza [dos monges Zen] foi registrada e louvada. Eu nunca ouvi falar de alguém rico de bens materiais que levasse adiante o buda-darma. Todos os praticantes sinceros do buda-darma usaram roupas remendadas e sempre mendigaram por comida. O motivo pelo qual a escola Zen foi considerada boa e os monges Zen diferentes dos outros, foi que quando os monges viveram entre os outros pela primeira vez nas construções dos templos de ensino ou das escolas de preceitos[2], eles abandonaram a preocupação com seus corpos e viveram em pobreza. Devemos lembrar disso como o estilo original de prática nesta escola (Zen).

[Não se apegar a riqueza] não é algo que devemos buscar como provas escritas nas sagradas escrituras. Em meu próprio caso, eu costumava ter minha própria terra para plantar, bem como outras propriedades. Eu também tinha minha própria riqueza. Comparando as condições do meu corpo e mente de então com minha presente condição de pobreza, de possuir apenas mantos e tigelas, sinto que meu estado mental [minha vida] nesse momento está melhor. Esta é a real prova.


[1] O ideal de rei concebido na Índia era aquele que governava o mundo com a roda que obteve no momento da entronização. Havia quatro tipos de reis, de acordo com as diferentes qualidades da roda.

[2] Antes de os mosteiros Zen serem estabelecidos, por volta da época de Hyakujo Ekai (720-814). Os monges zen ficavam nos prédios dos templos das outras escolas, ou vagavam por aqui e por ali. Eles não tinham seus próprios mosteiros.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (54) – Livro 3 Parte 6

Portanto, estudantes hoje em dia, também deveriam pensar em fazer o bem para os outros sem distinguir entre pessoas de classes baixas ou altas, os íntimos ou aqueles com os quais não se tem relação, mesmo que seus atos não sejam vistos e conhecidos pelos outros. Seja uma questão grande ou pequena, você não deveria ser um incomodo aos outros, e nem magoar seus sentimentos.

LIVRO 3

3-6

Uma noite Dogen instruiu:

            Depois de ascender ao trono, Taiso da dinastia To viveu em um velho palácio. Uma vez que estava em mau estado, a umidade entrou e o imperador adoeceu com os ventos frios e o sereno. Quando seus ministros propuseram construir um novo palácio, o imperador respondeu:

“Estamos na estação agrícola com muito o que fazer. As pessoas certamente ficariam incomodadas. Devemos esperar até o outono para construí-lo. Ser afligido pela umidade é decorrente de não ser aceito pela Terra. Ser afetado pelo vento e chuva é decorrente de não viver de acordo com o Céu. Se eu vou contra o Céu e a Terra, não posso manter minha saúde. Estarei de acordo com o Céu e a Terra quando eu não causar mais sofrimento ao povo. Se eu agir em harmonia com o Céu e a Terra meu corpo não será maltratado.”

Dizendo isso, ele não construiu um novo palácio e, afinal de contas, acabou ficando no velho. Aqui, mesmo um leigo pensou mais nas pessoas do que em sua própria saúde. Muitos mais deveriam, como crianças do Buda, ter êxito no caminho do Tatagata e ter compaixão com todos os seres vivos, como se cada um deles fosse seu único filho[1]. Não censure, nem cause problemas às pessoas, mesmo que elas sejam seus auxiliares ou empregados. Além disso, tenha respeito por seus estudantes e praticantes, seus idosos ou outras pessoas mais velhas, tal como se eles fossem o Tatagata; isso está claramente escrito nos preceitos. Portanto, estudantes hoje em dia, também deveriam pensar em fazer o bem para os outros sem distinguir entre pessoas de classes baixas ou altas, os íntimos ou aqueles com os quais não se tem relação, mesmo que seus atos não sejam vistos e conhecidos pelos outros. Seja uma questão grande ou pequena, você não deveria ser um incomodo aos outros, e nem magoar seus sentimentos.

Durante o tempo em que o Tatagata esteve vivo, muitos não Budistas caluniaram e odiaram o Tatagata. Um dos discípulos do Buda perguntou:

“Tatagata, você sempre considerou a gentileza fundamental e teve compaixão em seu coração. Todos os seres vivos deveriam igualmente respeitar você. Porque há alguns que não o seguem?”.

O Buda respondeu: “Quando eu liderei uma assembleia no passado, eu geralmente chamava a atenção de meus discípulos com repreensões e encontrava defeitos neles. Por causa disso, coisas como essa acontecem no presente.”

Esta passagem pode ser encontrada nas escrituras sobre os preceitos. Portanto, mesmo que você, como abade, lidere um grupo de praticantes, quando você repreende seus discípulos e queixa-se deles, não deve usar palavras abusivas ou críticas. Aqueles que têm propósitos, lhe seguirão, quer você os repreenda, quer os encoraje com palavras gentis. Estudantes, vocês nunca devem censurar membros da família, companheiros de prática ou outros com palavras ásperas. Sejam cuidadosos a respeito disso.


[1] No Sutra de Lotus encontramos o seguinte verso:

Agora este mundo triplo,

Tudo é meu domínio;

Os seres vivos nele

São todos meus filhos.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (53) – Livro 3 Parte 5

Quando penso a respeito disso, vejo que os antigos faziam as pessoas se envergonharem caso elas quisessem se considerar importantes, ser líderes de outros, ou obter o título de Sábio. Apenas desperte para o Caminho, não se preocupe com mais nada.

LIVRO 3

3-5

Certa vez Dogen instruiu:

Quando Kaimon Zenji[1] era o abade do Monastério Tendo na China, havia uma shuso chamado Gen. Ele havia obtido o darma e despertado para o Caminho; sua prática superava até mesmo a do abade. Uma noite, ele visitou o quarto do abade, acendeu incenso, prostrou-se e pediu permissão para ser o shuso do saguão da parte de trás do monastério[2]

Naquele momento, o mestre lamentou, “Desde que me tornei um noviço, nunca ouvi falar de uma coisa como essa. Para um monge que pratica zazen, é um grande erro pedir para ser o shuso ou para receber o título de  Sábio. Você já despertou para o Caminho mais do que eu mesmo. Você busca a posição de shuso para promover-se? Eu permitiria que você fosse o shuso da sala da frente ou mesmo o abade. Sua atitude é medíocre. Contudo, agora entendo porque o restante dos monges ainda não obteve a iluminação. O declínio do darma de buda pode ser depreendido de tal atitude.”

Depois disso, ele derramou lágrimas e lamentou com pesar. Embora Gen tenha se envergonhado de sua atitude e, na realidade, tenha declinado da posição, o mestre o nomeou como shuso. Mais tarde Gen registrou a conversa, mostrando remorso e expondo as palavras excelentes de seu mestre.

Quando penso a respeito disso, vejo que os antigos faziam as pessoas se envergonharem caso elas quisessem se considerar importantes, ser líderes de outros, ou obter o título de Sábio. Apenas desperte para o Caminho, não se preocupe com mais nada.


[1] Kaimon Shisai (?–?) foi discípulo de Setsuan Tokko, Ver 1-3, nota de rodapé 1.

[2] A palavra japonesa é godo shuso. Nos antigos mosteiros Zen havia dois shuso (monges líderes). Um era o zendo shuso, o outro era o godo shuso. Zendo significa a parte da frente do sodo e godo significa a parte de trás do sodo. O zendo shuso tinha a responsabilidade geral, enquanto o godo shuso o ajudava. Hoje, porém, apenas o zendo shuso permanece e agora é chamado simplesmente de shuso, enquanto o godo significa o instrutor acima do shuso.