Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (53) – Livro 3 Parte 5

Quando penso a respeito disso, vejo que os antigos faziam as pessoas se envergonharem caso elas quisessem se considerar importantes, ser líderes de outros, ou obter o título de Sábio. Apenas desperte para o Caminho, não se preocupe com mais nada.

LIVRO 3

3-5

Certa vez Dogen instruiu:

Quando Kaimon Zenji[1] era o abade do Monastério Tendo na China, havia uma shuso chamado Gen. Ele havia obtido o darma e despertado para o Caminho; sua prática superava até mesmo a do abade. Uma noite, ele visitou o quarto do abade, acendeu incenso, prostrou-se e pediu permissão para ser o shuso do saguão da parte de trás do monastério[2]

Naquele momento, o mestre lamentou, “Desde que me tornei um noviço, nunca ouvi falar de uma coisa como essa. Para um monge que pratica zazen, é um grande erro pedir para ser o shuso ou para receber o título de  Sábio. Você já despertou para o Caminho mais do que eu mesmo. Você busca a posição de shuso para promover-se? Eu permitiria que você fosse o shuso da sala da frente ou mesmo o abade. Sua atitude é medíocre. Contudo, agora entendo porque o restante dos monges ainda não obteve a iluminação. O declínio do darma de buda pode ser depreendido de tal atitude.”

Depois disso, ele derramou lágrimas e lamentou com pesar. Embora Gen tenha se envergonhado de sua atitude e, na realidade, tenha declinado da posição, o mestre o nomeou como shuso. Mais tarde Gen registrou a conversa, mostrando remorso e expondo as palavras excelentes de seu mestre.

Quando penso a respeito disso, vejo que os antigos faziam as pessoas se envergonharem caso elas quisessem se considerar importantes, ser líderes de outros, ou obter o título de Sábio. Apenas desperte para o Caminho, não se preocupe com mais nada.


[1] Kaimon Shisai (?–?) foi discípulo de Setsuan Tokko, Ver 1-3, nota de rodapé 1.

[2] A palavra japonesa é godo shuso. Nos antigos mosteiros Zen havia dois shuso (monges líderes). Um era o zendo shuso, o outro era o godo shuso. Zendo significa a parte da frente do sodo e godo significa a parte de trás do sodo. O zendo shuso tinha a responsabilidade geral, enquanto o godo shuso o ajudava. Hoje, porém, apenas o zendo shuso permanece e agora é chamado simplesmente de shuso, enquanto o godo significa o instrutor acima do shuso.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (52) – Livro 3 Parte 4

Você não deve possuir coisas que precisam ser mantidas escondidas dos outros. Você tenta esconder as coisas pois tem medo de ladrões; se você as abandonar, ficará muito mais tranquilo. Quando você não quiser ser morto a ponto de ter que matar, seu corpo sofre e sua mente fica ansiosa. Entretanto, se você decidir não retaliar, mesmo que alguém tente matá-lo, você não precisará tomar cuidado nem se preocupar com ladrões. Você nunca deixará de estar tranquilo.

LIVRO 3

3-4

Em uma palestra vespertina Dogen disse:

Estudantes do Caminho deveriam ser completamente pobres. Quando observamos pessoas no mundo secular, homens de posses inevitavelmente têm dois tipos de problemas: raiva e desonra. Se eles têm algum tesouro, outros desejarão roubá-lo, e quando eles tentam protegê-lo, a raiva imediatamente surge. Quando conversam sobre algum assunto, a argumentação e a negociação geralmente evoluem para conflito ou disputa. Procedendo desta forma, a raiva irá brotar e resultará em desonra. Ser pobre e altruísta liberta as pessoas destes problemas e elas encontram a paz. A prova está bem diante dos seus olhos. Não precisamos procurar por ela nas escrituras. E não apenas isso, os sábios antigos e os sensatos predecessores criticaram a riqueza; e as deidades celestiais, os budas e os ancestrais todos a denunciaram. Ainda assim, pessoas tolas acumulam riqueza e carregam muita raiva; esta é a vergonha das vergonhas. Nossos sensatos predecessores, sábios antigos, budas e ancestrais foram todos pobres, mas aspiraram ao Caminho.

Nos dias de hoje, a decadência do buda-darma está ocorrendo bem diante dos nossos olhos. Desde o momento em que eu adentrei pela primeira vez o Monastério de Kenninji[1], durante o período de sete ou oito anos, eu vi muitas mudanças gradualmente tomando forma. Eles construíram depósitos em cada edificação do templo, cada pessoa tinha seus próprios utensílios. Muitos se afeiçoaram às vestes finas, armazenaram posses pessoais e cederam a conversas ociosas. Ninguém se importava com as formas de cumprimento mútuo, nem de se prostrar diante de Buda. Olhando para estas coisas, eu posso imaginar como os outros locais devem ser.

Uma pessoa do buda-darma não deveria possuir nenhum tesouro, nem propriedade além dos mantos e uma tigela. Qual a necessidade de um aposento particular? Você não deve possuir coisas que precisam ser mantidas escondidas dos outros. Você tenta esconder as coisas pois tem medo de ladrões; se você as abandonar, ficará muito mais tranquilo. Quando você não quiser ser morto a ponto de ter que matar, seu corpo sofre e sua mente fica ansiosa. Entretanto, se você decidir não retaliar, mesmo que alguém tente matá-lo, você não precisará tomar cuidado nem se preocupar com ladrões. Você nunca deixará de estar tranquilo.


[1] Dogen começou a praticar com Myozen em Kenninji, em 1217, quando ainda tinha dezoito anos. Ele ficou lá até sua ida à China em 1223. Depois que ele voltou da China, ele permaneceu em Kenninji novamente por mais alguns anos.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (51) – Livro 3 Parte 3

Simplesmente faça o bem sem expectativa de recompensa ou de fama, seja verdadeiramente desinteressado, e trabalhe pelo bem de beneficiar os outros. O ponto principal a ser mantido em mente é o de separar-se do seu ego. Para manter essa mente você deve despertar para a impermanência. Nossa vida é como um sonho. O tempo passa rapidamente. Nossa vida, como o orvalho, facilmente desaparece. Uma vez que o tempo não espera por ninguém, tente fazer o bem aos outros e seguir a vontade do Buda durante o tempo em que estiver vivo.

LIVRO 3

3-3

Em uma palestra vespertina, Dogen disse:

Entre os leigos nos dias de hoje vejo que aqueles que obtiveram resultados de sucesso[1] [por seus atos] e permitiram que suas famílias prosperassem são todos honestos, íntegros e gentis com os outros. Por causa disso, suas famílias irão sobreviver e prosperar em gerações futuras. Mesmo que pessoas desonestas e aqueles que prejudicam os outros pareçam receber uma boa recompensa e consigam manter seu estilo de vida por um tempo, suas fortunas irão declinar no fim. Ou mesmo que aparentemente eles vivam suas próprias vidas sem problemas, seus descendentes irão inevitavelmente entrar em declínio.

Além do mais, fazer o bem aos outros por causa do desejo de ser bem visto ou para agradar alguém parece melhor do que fazer o mal. Entretanto, tais ações não são verdadeiramente fazer o bem aos outros, uma vez que a pessoa ainda está pensando em si mesma.

Aquele que faz o bem aos outros ou visando o futuro sem ser percebido e sem considerar para quem seus atos estão sendo bons é, de fato, uma boa pessoa. Um monge deve cultivar uma mente ainda mais superior do que esta.

Ter compaixão pelos seres vivos sem fazer distinção entre as pessoas próximas ou aquelas com quem não se tem relação e manter uma atitude de salvar a todos igualmente. Nunca pensar em seu próprio lucro em termos de benefícios mundanos ou supra mundanos[2]. Mesmo que você não seja conhecido nem apreciado, apenas faça o bem para os outros de acordo com seu próprio coração e não demonstre aos outros que você tem tal espirito.

O segredo de manter esta atitude é, antes de tudo, abandonar o mundo e deixar de lado seu próprio corpo. Nenhum desejo de ser bem considerado pelos outros surge, mas apenas se você tiver verdadeiramente jogado fora seu próprio corpo. Entretanto, se você pensar “deixe os outros pensarem o que eles quiserem” e fizer o mal, sendo indulgente nisso ou naquilo, você vai contra a vontade do Buda. Simplesmente faça o bem sem expectativa de recompensa ou de fama, seja verdadeiramente desinteressado[3], e trabalhe pelo bem de beneficiar os outros. O ponto principal a ser mantido em mente é o de separar-se do seu ego. Para manter essa mente você deve despertar para a impermanência. Nossa vida é como um sonho. O tempo passa rapidamente. Nossa vida, como o orvalho, facilmente desaparece. Uma vez que o tempo não espera por ninguém, tente fazer o bem aos outros e seguir a vontade do Buda durante o tempo em que estiver vivo.


[1] Kaho, em japonês significa ‘efeito’, recompensa ou retribuição por algum ato praticado.

[2] Benefício supramundano (em japonês, Shusseken no riyaku) significa benefício por esclarecer o Caminho, e não benefício por cumprir seus próprios desejos.

[3] Mushotoku, em japonês, significa ‘nada a ganhar’, ou ‘nenhum desejo de ganhar nada’, ou ‘estar livre da discriminação entre sujeito (aquele que ganha) e objeto (coisas a serem ganhas)’. Essa expressão é encontrada no Sutra do Diamante. “O Senhor (Xaquiamuni) disse: ‘Assim é, Subhuti, assim é. Nem mesmo o menor dharma é ali encontrado ou obtido. Portanto, é chamada de ‘suprema (anutara), correta e perfeita iluminação’.” (Traduzido por Edward Conze). Diz o  Sutra do Coração: “… não há conhecimento, nada a ser alcançado, [e] nenhuma realização, porque não há conquista.” (Traduzido por D. T. Suzuki).