Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (51) – Livro 3 Parte 3

Simplesmente faça o bem sem expectativa de recompensa ou de fama, seja verdadeiramente desinteressado, e trabalhe pelo bem de beneficiar os outros. O ponto principal a ser mantido em mente é o de separar-se do seu ego. Para manter essa mente você deve despertar para a impermanência. Nossa vida é como um sonho. O tempo passa rapidamente. Nossa vida, como o orvalho, facilmente desaparece. Uma vez que o tempo não espera por ninguém, tente fazer o bem aos outros e seguir a vontade do Buda durante o tempo em que estiver vivo.

LIVRO 3

3-3

Em uma palestra vespertina, Dogen disse:

Entre os leigos nos dias de hoje vejo que aqueles que obtiveram resultados de sucesso[1] [por seus atos] e permitiram que suas famílias prosperassem são todos honestos, íntegros e gentis com os outros. Por causa disso, suas famílias irão sobreviver e prosperar em gerações futuras. Mesmo que pessoas desonestas e aqueles que prejudicam os outros pareçam receber uma boa recompensa e consigam manter seu estilo de vida por um tempo, suas fortunas irão declinar no fim. Ou mesmo que aparentemente eles vivam suas próprias vidas sem problemas, seus descendentes irão inevitavelmente entrar em declínio.

Além do mais, fazer o bem aos outros por causa do desejo de ser bem visto ou para agradar alguém parece melhor do que fazer o mal. Entretanto, tais ações não são verdadeiramente fazer o bem aos outros, uma vez que a pessoa ainda está pensando em si mesma.

Aquele que faz o bem aos outros ou visando o futuro sem ser percebido e sem considerar para quem seus atos estão sendo bons é, de fato, uma boa pessoa. Um monge deve cultivar uma mente ainda mais superior do que esta.

Ter compaixão pelos seres vivos sem fazer distinção entre as pessoas próximas ou aquelas com quem não se tem relação e manter uma atitude de salvar a todos igualmente. Nunca pensar em seu próprio lucro em termos de benefícios mundanos ou supra mundanos[2]. Mesmo que você não seja conhecido nem apreciado, apenas faça o bem para os outros de acordo com seu próprio coração e não demonstre aos outros que você tem tal espirito.

O segredo de manter esta atitude é, antes de tudo, abandonar o mundo e deixar de lado seu próprio corpo. Nenhum desejo de ser bem considerado pelos outros surge, mas apenas se você tiver verdadeiramente jogado fora seu próprio corpo. Entretanto, se você pensar “deixe os outros pensarem o que eles quiserem” e fizer o mal, sendo indulgente nisso ou naquilo, você vai contra a vontade do Buda. Simplesmente faça o bem sem expectativa de recompensa ou de fama, seja verdadeiramente desinteressado[3], e trabalhe pelo bem de beneficiar os outros. O ponto principal a ser mantido em mente é o de separar-se do seu ego. Para manter essa mente você deve despertar para a impermanência. Nossa vida é como um sonho. O tempo passa rapidamente. Nossa vida, como o orvalho, facilmente desaparece. Uma vez que o tempo não espera por ninguém, tente fazer o bem aos outros e seguir a vontade do Buda durante o tempo em que estiver vivo.


[1] Kaho, em japonês significa ‘efeito’, recompensa ou retribuição por algum ato praticado.

[2] Benefício supramundano (em japonês, Shusseken no riyaku) significa benefício por esclarecer o Caminho, e não benefício por cumprir seus próprios desejos.

[3] Mushotoku, em japonês, significa ‘nada a ganhar’, ou ‘nenhum desejo de ganhar nada’, ou ‘estar livre da discriminação entre sujeito (aquele que ganha) e objeto (coisas a serem ganhas)’. Essa expressão é encontrada no Sutra do Diamante. “O Senhor (Xaquiamuni) disse: ‘Assim é, Subhuti, assim é. Nem mesmo o menor dharma é ali encontrado ou obtido. Portanto, é chamada de ‘suprema (anutara), correta e perfeita iluminação’.” (Traduzido por Edward Conze). Diz o  Sutra do Coração: “… não há conhecimento, nada a ser alcançado, [e] nenhuma realização, porque não há conquista.” (Traduzido por D. T. Suzuki).

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (50) – Livro 3 Parte 2

A pratica de ser liberado do samsara e alcançar o Caminho parece ser procurada por todos, mas são poucos aqueles que a realizam. Vida-Morte é a Grande Questão; as coisas mudam rapidamente. Não deixe sua mente enfraquecer.

LIVRO 3

3-2

Certa vez, uma monja perguntou:

“Até mesmo mulheres leigas praticam e estudam o buda-darma. Quanto a nós monjas, mesmo que tenhamos algumas falhas, sinto que não há razão para dizer que estamos indo contra o buda-darma. O que pensa sobre isso?”

Dogen admoestou:

“Esta não é uma visão correta. Mulheres leigas podem obter o Caminho como resultado de praticar o buda-darma tal como são. Entretanto, nenhum monge ou monja[1] o obtém a menos que ele ou ela tenha a mente daquele que deixou sua casa. Não porque o buda-darma faça discriminações entre uma pessoa e outra, mas, ao contrário, porque a pessoa não adentra o darma. Deve haver uma diferença na atitude de leigos e daqueles que deixaram suas casas. Um leigo que tenha a mente de um monge ou monja que tenha deixado sua casa será liberado do samsara. Um monge ou monja que tenha a mente de uma pessoa leiga incorre em uma dupla falta. Suas atitudes deveriam ser bem diferentes. Não que seja algo difícil de fazer, mas fazer isso completamente é difícil.

A pratica de ser liberado do samsara e alcançar o Caminho parece ser procurada por todos, mas são poucos aqueles que a realizam. Vida-Morte é a Grande Questão; as coisas mudam rapidamente[2]. Não deixe sua mente enfraquecer. Se você abandona o mundo, deveria abandoná-lo completamente. Não creio que os nomes provisoriamente usados para distinguir monges e monjas de leigos sejam tão importantes assim.


[1] Shukke (deixar a casa) em japonês, significa aquele que renunciou à vida doméstica para se tornar um monge ou monja.

[2] Essas frases aparecem originalmente no Rokuso-Dankyo, (O Sutra da Plataforma do Sexto Ancestral).

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (49) – Livro 3 Parte 1

“(…) Um ancião disse: “No topo de um mastro de trinta metros, como pode você avançar um passo adiante?

LIVRO 3

3-1

Dogen instruiu:

Estudantes do Caminho, abandonem[1] corpo e mente e entrem completamente no buda-darma. Um ancião disse: “No topo de um mastro de trinta metros, como pode você avançar um passo adiante?”[2]. Em tal situação, acreditamos que morreríamos se soltássemos o mastro, então nos agarramos firmemente a ele.

Dizer “avançar um passo adiante” significa o mesmo que decidir que a morte não seria algo ruim e, portanto, a pessoa abre mão da vida física. Devemos desistir de nos preocupar com tudo o que se refere à arte de viver e ao nosso próprio sustento. A menos que desistamos de nos preocupar com tais coisas, será impossível conquistar o Caminho, mesmo que pareça que estamos praticando sinceramente, como se estivéssemos tentando apagar um incêndio em nossas cabeças. Apenas abra mão do corpo e mente de uma maneira decisiva.


[1] Hoge em japonês significa deixar ir,  jogar fora, desistir, abandonar, entregar, etc. Alguém perguntou a Joshu: “Não tenho nada. Como é isso?” Joshu respondeu: “Jogue isso fora (hoge-jaku).”

[2] Veja 1-13, nota de rodapé 4.