Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (29) – Livro 2 Parte 7

Se alguém aspira praticar o darma de Buda, virá e o estudará mesmo se tiver que cruzar montanhas, rios e oceanos. Se lhe faltar tal convicção, não há certeza de que irá aceitá-lo, mesmo que eu vá até lá e exorte-lhes (a praticar).

LIVRO 2

2-7

         Certa vez, alguém encorajou Dogen a ir até Kanto[1] para ajudar no florescimento do  Darma de Buda.

         Dogen se recusou. “Se alguém aspira praticar o darma de Buda, virá e o estudará mesmo se tiver que cruzar montanhas, rios e oceanos. Se lhe faltar tal convicção, não há certeza de que irá aceitá-lo, mesmo que eu vá até lá e exorte-lhes (a praticar). Devo enganar as pessoas meramente visando apoio material? Isso não seria apenas ganância por riqueza? Considerando que eu obteria tão somente cansaço, não sinto necessidade alguma de ir.”


[1] Kanto se refere à parte oriental do Japão, neste caso Kamakura, onde o Shogunato (governo) estava localizado. Naquela época, os samurais que assumiram o poder político na corte em Kyoto aceitavam o Zen Budismo. Muitos Mestres do Zen Chinês vieram da China; por exemplo, Rankei Doryu, Mugaku Sogen, etc, e um número de templos Zen foram fundados lá. A pessoa estava sugerindo que Dogen fosse lá para obter apoio do governo Shoguntato. Mais tarde, entretanto, depois que Dogen se mudou para Eijeiji, ele visitou Kamakura e ficou lá por um semestre.

Textos e Sutras, Zazen

> Shobogenzo Zuimonki (2) – Livro 1 Parte 1

“Uma vez que ser uma criança Buda é seguir os ensinamentos de Buda e atingir a budeidade diretamente, devemos nos devotar a seguir o ensinamento e colocar todos os nossos esforços na prática do Caminho. A verdadeira pratica que está de acordo com o ensinamento não é nada mais do que shikantaza, que é a essência da vida neste sorin (monastério) hoje. Repense sobre isso profundamente”

Palavras chave: RELÍQUIAS DE BUDA; ADORAÇÃO A IMAGENS; VERDADEIRA PRÁTICA; ESSÊNCIA DOS ENSINAMENTOS DE BUDA; SHIKANTAZA; ZAZEN

LIVRO 1

1-1

Um dia Dogen disse,

No Zoku-kosoden (Biografias Continuadas de Monges Eminentes)[1], há uma estória sobre um monge na assembleia de um certo mestre Zen. O monge adorava uma imagem de ouro de Buda, bem como as relíquias de Buda[2]. Mesmo no dormitório[3], ele continuamente queimava incenso e se prostrava perante elas, honrando e fazendo oferendas.

Um dia, o mestre disse ao monge: “A imagem e as relíquias de Buda, que você adora, acabarão sendo prejudiciais a você”.

O monge não estava convencido.

O mestre continuou: “Isso é obra do demônio Papiyas[4]. Jogue-as fora imediatamente”.

Quando o monge estava saindo raivoso, o mestre gritou por detrás dele: “Abra a caixa e olhe dentro dela!”

 Embora enfurecido, o monge abriu a caixa; deitada dentro dela ele encontrou uma cobra venenosa enrolada.

Considerando essa estória, as imagens e relíquias de Buda deveriam ser reverenciadas, uma vez que são a forma e os ossos deixados pelo Tatagata[5]; entretanto, é uma falsa visão[6]pensar que você será capaz de alcançar iluminação meramente através de sua adoração a elas. Tal visão fará com que você seja possuído pelo demônio e pela cobra venenosa.

 Tendo em vista que o mérito dos ensinamentos de Buda não muda, a reverência a imagens e relíquias por certo trará bênçãos aos seres humanos e celestiais[7] tanto quanto prestar reverencias ao Buda vivo. De modo geral, é verdade que se você reverenciar e fizer ofertas ao mundo dos Três Tesouros[8], suas falhas desaparecerão e você ganhará mérito; o karma que leva você aos reinos maléficos[9] será removido e você renascerá nos reinos dos seres humanos e celestiais. Entretanto, é uma visão equivocada esperar obter iluminação do darma desta maneira.

Uma vez que ser uma criança Buda[10] é seguir os ensinamentos de Buda e atingir a budeidade diretamente[11], devemos nos devotar a seguir o ensinamento e colocar todos os nossos esforços na prática do Caminho. A verdadeira pratica que está de acordo com o ensinamento não é nada mais do que shikantaza[12], que é a essência da vida neste sorin (monastério)[13] hoje. Repense sobre isso profundamente.

NOTAS

[1] O Zoku-kosoden (Xu-gaosengzhuan) foi compilado por Nanzan Dosen (Nanshan Daoxuan, 596-667), fundador da Escola Nanzan-ritsu. Esta coleção de trinta volumes inclui as biografias dos monges da dinastia Liang (502-557) até o inicio da dinastia Tang (618-907). 

[2] Skt., sarira. Depois que Xaquiamuni morreu, suas relíquias foram divididas em oito porções e preservadas nas stupas erigidas por seus alunos leigos nos vários distritos na Índia. Desde então, as relíquias de Buda têm sido objeto de adoração por pessoas leigas.

[3]Shuryo, em japonês, é uma sala de estudo, para se tomar chá ou para descanso nos monastérios Zen. Kannon Bodisatva está preservada no shuryo.

[4] Temma-hajin, em japonês. Temma significa um demônio celestial, rei do céu Paranirmitavasavartin (takejizai-ten) e é assim chamado porque causa entraves para aqueles que seguem o Caminho Budista. Hajun (Papiyas, em sânscrito) é o nome do demônio.

[5]Nyorai, em japonês, um dos epítetos do Buda. Literalmente, Nyorai significa “que assim veio” ou “que assim foi”, popularmente interpretado como “aquele que veio (foi) do assim como é”.  

[6] Uma visão incorreta que vai contra o darma ou que impede as pessoas de verem a realidade tal como ela é, ou a qual negligencia o princípio de causa e efeito.

[7] Seres humanos e seres celestiais ainda estão no reino do samsara. O termo original japonês para “uma benção” é fukubun, que significa as causas que ocasionam a felicidade nos mundos humano e celestial. Em contraposição a fukubun está dobun, a causa para o Caminho que transcende o samsara, ou seja, o mundo humano e celestial.

[8] Os Três Tesouros no Budismo são: 1) o buda, aquele que está desperto para a realidade e a ensina, 2) o darma, a realidade e o ensinamento que aponta para a realidade e 3) a sanga, a comunidade de pessoas que seguem o ensinamento. O mundo dos Três Tesouros é bastante diferente do reino do samsara baseado em delusões ou em desejos.

[9]O samsara é categorizado em seis reinos: inferno, o reino dos espíritos insaciáveis, animais, demônios asura, humanos e seres celestiais. Os três primeiros são chamados de reinos maléficos enquanto os outros três são chamados de bons reinos. Algumas vezes, os primeiros quatro são chamados de reinos maléficos e os últimos dois são chamados de bons reinos.   

[10] Seres humanos tornam-se crianças de Buda ao receber os preceitos de Buda por meio da ordenação.

[11] No Shobogenzo Sanjushichihon-bodaibunpo Dogen disse: “O grande professor Xaquiamuni abandonou a sucessão a seu pai na posição de rei não porque ela fosse indigna, mas porque ele iria suceder na posição de buda, a qual era imcomparavelmente preciosa. A posição de Buda é a posição de um monge sem teto. Esta é a posição reverenciada por todos os seres humanos e celestiais. Esta é a posição de suprema consciência (annutara-samyak-sambodhi).

[12]Literalmente, significa “apenas sentar”. No Bendowa Dogen, citando seu professor, escreveu: “De acordo com a inequívoca tradição herdada, esse buda-darma, que tem sido singular e diretamente transmitido, é supremo acima de qualquer comparação. A partir do momento em que você começa a praticar com um professor, queimar incenso, curvar-se, nenbutsu, tanto quanto as práticas de recitação ou leitura dos sutras, são desnecessárias. Simplesmente pratique o zazen (shikantaza), deixando cair corpo e mente”. Shikantaza é zazen quando praticado sem esperar nenhuma recompensa, mesmo iluminação. É apenas ser você mesmo, bem aqui, neste exato momento.

[13]Literalmente, sorin significa uma floresta na qual vários tipos de árvores estão vivendo juntas. Em um monastério, todos os praticantes com suas diferentes personalidades, capacidades e experiências de vida vivem juntos com mente bodai unificada; portanto monastérios Zen são chamados de sorin.