Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (54) – Livro 3 Parte 6

Portanto, estudantes hoje em dia, também deveriam pensar em fazer o bem para os outros sem distinguir entre pessoas de classes baixas ou altas, os íntimos ou aqueles com os quais não se tem relação, mesmo que seus atos não sejam vistos e conhecidos pelos outros. Seja uma questão grande ou pequena, você não deveria ser um incomodo aos outros, e nem magoar seus sentimentos.

LIVRO 3

3-6

Uma noite Dogen instruiu:

            Depois de ascender ao trono, Taiso da dinastia To viveu em um velho palácio. Uma vez que estava em mau estado, a umidade entrou e o imperador adoeceu com os ventos frios e o sereno. Quando seus ministros propuseram construir um novo palácio, o imperador respondeu:

“Estamos na estação agrícola com muito o que fazer. As pessoas certamente ficariam incomodadas. Devemos esperar até o outono para construí-lo. Ser afligido pela umidade é decorrente de não ser aceito pela Terra. Ser afetado pelo vento e chuva é decorrente de não viver de acordo com o Céu. Se eu vou contra o Céu e a Terra, não posso manter minha saúde. Estarei de acordo com o Céu e a Terra quando eu não causar mais sofrimento ao povo. Se eu agir em harmonia com o Céu e a Terra meu corpo não será maltratado.”

Dizendo isso, ele não construiu um novo palácio e, afinal de contas, acabou ficando no velho. Aqui, mesmo um leigo pensou mais nas pessoas do que em sua própria saúde. Muitos mais deveriam, como crianças do Buda, ter êxito no caminho do Tatagata e ter compaixão com todos os seres vivos, como se cada um deles fosse seu único filho[1]. Não censure, nem cause problemas às pessoas, mesmo que elas sejam seus auxiliares ou empregados. Além disso, tenha respeito por seus estudantes e praticantes, seus idosos ou outras pessoas mais velhas, tal como se eles fossem o Tatagata; isso está claramente escrito nos preceitos. Portanto, estudantes hoje em dia, também deveriam pensar em fazer o bem para os outros sem distinguir entre pessoas de classes baixas ou altas, os íntimos ou aqueles com os quais não se tem relação, mesmo que seus atos não sejam vistos e conhecidos pelos outros. Seja uma questão grande ou pequena, você não deveria ser um incomodo aos outros, e nem magoar seus sentimentos.

Durante o tempo em que o Tatagata esteve vivo, muitos não Budistas caluniaram e odiaram o Tatagata. Um dos discípulos do Buda perguntou:

“Tatagata, você sempre considerou a gentileza fundamental e teve compaixão em seu coração. Todos os seres vivos deveriam igualmente respeitar você. Porque há alguns que não o seguem?”.

O Buda respondeu: “Quando eu liderei uma assembleia no passado, eu geralmente chamava a atenção de meus discípulos com repreensões e encontrava defeitos neles. Por causa disso, coisas como essa acontecem no presente.”

Esta passagem pode ser encontrada nas escrituras sobre os preceitos. Portanto, mesmo que você, como abade, lidere um grupo de praticantes, quando você repreende seus discípulos e queixa-se deles, não deve usar palavras abusivas ou críticas. Aqueles que têm propósitos, lhe seguirão, quer você os repreenda, quer os encoraje com palavras gentis. Estudantes, vocês nunca devem censurar membros da família, companheiros de prática ou outros com palavras ásperas. Sejam cuidadosos a respeito disso.


[1] No Sutra de Lotus encontramos o seguinte verso:

Agora este mundo triplo,

Tudo é meu domínio;

Os seres vivos nele

São todos meus filhos.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (53) – Livro 3 Parte 5

Quando penso a respeito disso, vejo que os antigos faziam as pessoas se envergonharem caso elas quisessem se considerar importantes, ser líderes de outros, ou obter o título de Sábio. Apenas desperte para o Caminho, não se preocupe com mais nada.

LIVRO 3

3-5

Certa vez Dogen instruiu:

Quando Kaimon Zenji[1] era o abade do Monastério Tendo na China, havia uma shuso chamado Gen. Ele havia obtido o darma e despertado para o Caminho; sua prática superava até mesmo a do abade. Uma noite, ele visitou o quarto do abade, acendeu incenso, prostrou-se e pediu permissão para ser o shuso do saguão da parte de trás do monastério[2]

Naquele momento, o mestre lamentou, “Desde que me tornei um noviço, nunca ouvi falar de uma coisa como essa. Para um monge que pratica zazen, é um grande erro pedir para ser o shuso ou para receber o título de  Sábio. Você já despertou para o Caminho mais do que eu mesmo. Você busca a posição de shuso para promover-se? Eu permitiria que você fosse o shuso da sala da frente ou mesmo o abade. Sua atitude é medíocre. Contudo, agora entendo porque o restante dos monges ainda não obteve a iluminação. O declínio do darma de buda pode ser depreendido de tal atitude.”

Depois disso, ele derramou lágrimas e lamentou com pesar. Embora Gen tenha se envergonhado de sua atitude e, na realidade, tenha declinado da posição, o mestre o nomeou como shuso. Mais tarde Gen registrou a conversa, mostrando remorso e expondo as palavras excelentes de seu mestre.

Quando penso a respeito disso, vejo que os antigos faziam as pessoas se envergonharem caso elas quisessem se considerar importantes, ser líderes de outros, ou obter o título de Sábio. Apenas desperte para o Caminho, não se preocupe com mais nada.


[1] Kaimon Shisai (?–?) foi discípulo de Setsuan Tokko, Ver 1-3, nota de rodapé 1.

[2] A palavra japonesa é godo shuso. Nos antigos mosteiros Zen havia dois shuso (monges líderes). Um era o zendo shuso, o outro era o godo shuso. Zendo significa a parte da frente do sodo e godo significa a parte de trás do sodo. O zendo shuso tinha a responsabilidade geral, enquanto o godo shuso o ajudava. Hoje, porém, apenas o zendo shuso permanece e agora é chamado simplesmente de shuso, enquanto o godo significa o instrutor acima do shuso.

Textos e Sutras

> Shobogenzo Zuimonki (52) – Livro 3 Parte 4

Você não deve possuir coisas que precisam ser mantidas escondidas dos outros. Você tenta esconder as coisas pois tem medo de ladrões; se você as abandonar, ficará muito mais tranquilo. Quando você não quiser ser morto a ponto de ter que matar, seu corpo sofre e sua mente fica ansiosa. Entretanto, se você decidir não retaliar, mesmo que alguém tente matá-lo, você não precisará tomar cuidado nem se preocupar com ladrões. Você nunca deixará de estar tranquilo.

LIVRO 3

3-4

Em uma palestra vespertina Dogen disse:

Estudantes do Caminho deveriam ser completamente pobres. Quando observamos pessoas no mundo secular, homens de posses inevitavelmente têm dois tipos de problemas: raiva e desonra. Se eles têm algum tesouro, outros desejarão roubá-lo, e quando eles tentam protegê-lo, a raiva imediatamente surge. Quando conversam sobre algum assunto, a argumentação e a negociação geralmente evoluem para conflito ou disputa. Procedendo desta forma, a raiva irá brotar e resultará em desonra. Ser pobre e altruísta liberta as pessoas destes problemas e elas encontram a paz. A prova está bem diante dos seus olhos. Não precisamos procurar por ela nas escrituras. E não apenas isso, os sábios antigos e os sensatos predecessores criticaram a riqueza; e as deidades celestiais, os budas e os ancestrais todos a denunciaram. Ainda assim, pessoas tolas acumulam riqueza e carregam muita raiva; esta é a vergonha das vergonhas. Nossos sensatos predecessores, sábios antigos, budas e ancestrais foram todos pobres, mas aspiraram ao Caminho.

Nos dias de hoje, a decadência do buda-darma está ocorrendo bem diante dos nossos olhos. Desde o momento em que eu adentrei pela primeira vez o Monastério de Kenninji[1], durante o período de sete ou oito anos, eu vi muitas mudanças gradualmente tomando forma. Eles construíram depósitos em cada edificação do templo, cada pessoa tinha seus próprios utensílios. Muitos se afeiçoaram às vestes finas, armazenaram posses pessoais e cederam a conversas ociosas. Ninguém se importava com as formas de cumprimento mútuo, nem de se prostrar diante de Buda. Olhando para estas coisas, eu posso imaginar como os outros locais devem ser.

Uma pessoa do buda-darma não deveria possuir nenhum tesouro, nem propriedade além dos mantos e uma tigela. Qual a necessidade de um aposento particular? Você não deve possuir coisas que precisam ser mantidas escondidas dos outros. Você tenta esconder as coisas pois tem medo de ladrões; se você as abandonar, ficará muito mais tranquilo. Quando você não quiser ser morto a ponto de ter que matar, seu corpo sofre e sua mente fica ansiosa. Entretanto, se você decidir não retaliar, mesmo que alguém tente matá-lo, você não precisará tomar cuidado nem se preocupar com ladrões. Você nunca deixará de estar tranquilo.


[1] Dogen começou a praticar com Myozen em Kenninji, em 1217, quando ainda tinha dezoito anos. Ele ficou lá até sua ida à China em 1223. Depois que ele voltou da China, ele permaneceu em Kenninji novamente por mais alguns anos.